Jornalismo digital na terra dos youtubers e memes

“Minha breve experiência na ZACH me ensinou muitas coisas. Não ser pretensioso é uma delas”.

Atualizado em 07/06/2019 · 19:16 (BRT)

(Foto: Pexels.com)

Minha breve experiência na ZACH me ensinou muitas coisas. Não ser pretensioso é uma delas

O consumo das notícias na internet está transformando a rotina de produção jornalística. A convergência de formatos, a velocidade e a instantaneidade, são características inerentes ao meio digital. Não existe zona de conforto neste universo conectado. Todo mundo quer reinventar, inovar, conseguir leitores, reações e curtidas.

O público tem papel ativo nesse processo, compartilhando, interagindo e atribuindo novos significados às informações. Tardiamente, as empresas de comunicação tradicionais passaram a enxergar que isso não é uma modinha passageira. Enquanto as redações passam por enxugamentos, a demanda por conteúdo aumenta.

Ciro Marcondes Filho (2009, p.38), ao abordar a questão dos impactos das inovações tecnológicas na prática jornalística e no consumo das notícias, atribui aos sistemas de informações oriundos do desenvolvimento dos computadores, redes de cabeamento e internet, como a revolução tecnológica mais transformadora do jornalismo desde a criação da rotativa e dos processos de produção de jornais em massa.

Considero pertinente resgatar uma experiência muito pessoal. Comecei a blogar quando tinha 15 anos. Logo depois de fundar o jornal da Etec “Rodrigues de Abreu”, em Bauru, conversei com a coordenação da escola para publicar alguns conteúdos da versão impressa na web. Com o tempo, o direcionamento para o digital passou a ser prioridade. A tiragem do extinto “Diário Jovem” era ridícula e a periodicidade esbarrava em conseguir cumprir o deadline com os colegas de classe que faziam parte do projeto.

Era uma droga. Prazos? Uma decoração. Os poucos que entregavam adiantado eram suspeitos. Um rápido Ctrl-C + Ctrl-V no Google denunciava que as matérias não tinham nada de original. Em alguns casos nem precisava de muito. A impressão direto do site escancarava a preguiça. Repreender os colegas era complicado. Uma hora ou outra precisaria de ajuda para colar nas provas de Química ou ter alguém pra conversar mesmo.

O Blogger foi o meu primeiro contato com uma plataforma de gerenciamento de conteúdos. Em 2013 não tinha muita opção. Não havia a variedade de ferramentas gratuitas ou com um custo-benefício razoável que se tem hoje. Afinal, o orçamento anual do Diário Jovem era modesto, para não desmerecer o apoio de pessoas muito queridas que supervisionavam o trabalho na época.

A quantidade de acessos não era alta. Era difícil pensar em estratégias de engajamento, pautas, etc. O cenário era um pouco diferente. Os blogueiros estavam em alta, os youtubers começaram a ganhar relevância e os veículos tradicionais ainda estavam nessa do impresso no digital, contrariando tendências mundiais. Os jornalistas independentes e opções de mídia alternativas só ganhariam notoriedade nacional no ano seguinte, com os idos de julho de 2014.

“Em 2013 não tinha muita opção. Não havia a variedade de ferramentas gratuitas ou com um custo-benefício razoável que se tem hoje”

Anos depois, na graduação de jornalismo, quando a professora estabeleceu em aula a criação de uma revista digital, os mesmos dilemas sobre conteúdo na web rondavam a minha cabeça. No Ensino Médio pensava que a academia fomentaria novas perspectivas, mas não foi bem assim.


A INTERNET NA PALMA DA MÃO

No novo paradigma, o perfil do repórter como agente inteligente incorpora ainda mais delegações, atreladas ao domínio das ferramentas tecnológicas como smartphones, câmeras digitais e gravadores, coletando, apurando e editando as informações de interesse do público.

É muita responsabilidade atribuída aos profissionais da comunicação. Para criar um produto noticioso considerando o atual cenário da internet foi preciso experimentar plataformas, formatos e linguagens. A única certeza naquele momento era que o produto deveria ter uma experiência mobile convincente.

Afinal, os internautas estão mais no celular do que em computadores normais. O último censo do IBGE, divulgado neste ano com dados de 2014, aponta que 54, 9% dos domicílios brasileiros passaram a ter acesso à internet. Em 80% das residências, o aparelho celular é a ferramenta principal para navegar na web, ultrapassando os desktops.

O projeto acabou servindo de base para a ZACH. Apesar de ser uma experiência maravilhosa, várias coisas do projeto inicial acabaram não vingando no meio do caminho.


REGRA DE OURO: PRETENSÃO DEMAIS FERRA COM TUDO

Desculpe o palavreado chulo, mas é o único jeito que consigo alertar sobre o erro de principiante cometido por muitas pessoas (inclusive eu) dentro do jornalismo web.

Lá no fundo, tínhamos a pretensão de se tornar um portal de notícias, com um número considerável de postagens diárias. Nada demais, né? Errado. A nossa proposta por si só já era um tanto complexa. Descrita por Izidoro, Franzon, Dorini, Paiva e Moraes (2016, p.4), a descrição do projeto editorial da ZACH para os anais do Intercom Sudeste exemplifica essa questão.

“Um blog com características de uma revista sobre comportamento, cultura e cotidiano, mesclando o gênero de jornalismo literário, crônicas, grande reportagem, entrevista em profundidade, fotojornalismo e conteúdos multimídia, abordando temáticas pertinentes à realidade enfrentada pelas pessoas comuns, trazendo pluralidade de ideias com a parceria de alunos do curso que atuam como colaboradores em seções e conteúdos específicos” (IZIDORO, FRANZON, DORINI, PAIVA E MORAES, 2016, p.4).

O cramulhão mora nos detalhes. Simplesmente não dava para produzir conteúdos de qualidade como grandes reportagens, jornalismo literário, crônicas e fotografia em movimento num ritmo digno de um portal noticioso regional, a exemplo do JCNET. Mas essa era a ilusão. Estamos tão acostumados em receber um constante volume de informações que isso parecia o certo a se fazer. Bem intencionados a promover um jornalismo alternativo aos famigerados clickbaits, perdemos o fôlego logo na segunda semana de projeto.

Recordo que estava numa festa de aniversário de uma colega de turma e logo veio uma frase incômoda: “Nossa, vocês lançaram um site e quase não tem matéria, ficam nessa de requentar conteúdo”. Realmente fiquei constrangido mas tive que concordar. Isso se repete em outras boas ideias, infelizmente. Uma galera decide criar um blog de esportes ou de cultura. Esplêndido. Investem na profissionalização da ideia… um template bom, recursos de SEO, câmeras profissionais e capacitação.

Recordo que estava numa festa de aniversário de uma colega de turma e logo veio uma frase incômoda: “Nossa, vocês lançaram um site e quase não publicam nada, ficam nessa de requentar conteúdo”. Realmente fiquei constrangido, mas tive que concordar com ele.

Infelizmente, no fim das contas a iniciativa não vinga porque o que era para ser um blog com conteúdos relevantes e diferenciados acaba virando mais do mesmo. Na ânsia de atingir um volume x de conteúdos diários, muitas ideias boas caem nas armadilhas dos clickbaits, notas de assessoria de imprensa ou informações que todos os portais publicam por causa da concorrência.


NEM SEMPRE QUEM ENTRA NA ONDA CONSEGUE SURFAR

Na aula de Teorias do Jornalismo, a professora da disciplina, ao abordar a pertinência dos meios de comunicação, indagou-me publicamente sobre a verdadeira contribuição jornalística da ZACH para a sociedade. Fazia quase um mês do lançamento do blog e já sabia que a ideia seria pré-indicada ao Intercom Sudeste. Respondi com clichês: promoção da cidadania, prestação de serviço, pluralidade de vozes, principalmente das minorias sociais.

No entanto, para estruturar o artigo final que seria entregue para a avaliação era necessário muito mais. Quando se fala de jornalismo web hoje em dia, a pergunta da minha professora é incrivelmente pertinente. Muitos blogs que começaram maravilhosos acabam se transformando em um repositório de informações sem profundidade e, consequentemente, de relevância social.

Quando se fala em conteúdo web existe o paradigma que é preciso convergir com todas as novidades existentes. Isso não é de todo útil. Nem todo mundo que investe em um canal do YouTube consegue fazer o negócio dar certo. Há muita oferta de canais, youtubers e conteúdos incríveis. Isto posto, para conseguir se destacar no meio da multidão é preciso ousar, experimentar, fazer diferente, ter equipamentos de qualidade como também a capacidade técnica de editar.

Dificilmente vou acompanhar um blog de cultura e esporte que tenha mais do mesmo só porque tem um bróder meu na equipe. Na mesma proporção, admiro e faço questão de compartilhar quando meus colegas agregam coisas novas ou buscam uma linguagem diferente. Exemplos como o Linha de Fundo TV, os podcasts do Junta Sete ou os vídeos do Skate Mag são prova de que existem iniciativas bacanas, longe do lugar comum aqui mesmo no interior paulista.


NÃO EXISTE ZONA DE CONFORTO

A crise do modelo jornalístico atual é incontestável. Em detrimento da qualidade, muitos portais de notícias brasileiros têm enxugado suas redações para terceirizar a produção noticiosa com parceiros. São as famosas “redes” de conteúdo web presentes por aí.

Muitos blogs que perderam sua essência para tentar competir de igual com os portais tradicionais acabaram incorporados para produzir mais do mesmo. Sem identidade editorial, estes funcionam atualmente como verdadeiros puxadinhos do ambiente redacional do que uma opção de jornalismo alternativo. É o caso do portal iG, por exemplo.

Felizmente, há perspectivas positivas. A popularização de plataformas colaborativas como o Medium, o surgimento de modelos de coletivos jornalísticos e de produtos noticiosos diferenciados têm contribuído para incentivar os futuros profissionais da comunicação a experimentar todas as ferramentas e possibilidades que a internet proporciona. Não há zona de conforto no jornalismo. Pelo menos, as demandas atuais demonstram a importância dessa profissão neste universo mutante da web.


Referências bibliográficas

MARCONDES FILHO, Ciro. Ser Jornalista: O desafio das tecnologias e o fim das ilusões. São Paulo: Paulus, 2009.

IZIDORO, Flávia Eloísa. DORINI, Guilherme Fenelon Santos. PAIVA, Matheus Henrique Rodrigues. MORAES, Tiago Samuel de MORAES. FRANZON, Erica Cristina de Souza. Zach: o cotidiano urbano na mídia digital. Trabalho apresentado no Intercom Sudeste 2016, na cidade de Salto, SP.

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