Beyoncé e Jay-Z celebram as pazes, negritude e o sucesso em álbum surpresa, ‘Everything is Love’

Casal assina trabalho como Os Carters, a dinastia que assumiu o trono da música pop.
“Everything is Love” celebra a paz conjugal na família Carter, depois dos álbuns introspectivos “Lemonade”, dela, e “4:44”, dele. (Foto: Reprodução/YouTube/Beyoncé)

Atualizado em 30/04/2020 · 18:11 (BRT)

Tiago de Moraes, João Rafael Venâncio

Nenhum alinhamento dos astros poderia ter previsto um casal tão bem sucedido como Beyoncé e Jay-Z. Enquanto o rapper construiu meticulosamente um império de sucesso a partir de letras de gangsta rap, a intérprete de “Crazy in Love”, por sua vez, tomou para si a coroa do pop com uma reputação impecável e hits de superação, por muito tempo escondendo detalhes íntimos e vulnerabilidades. Quando a imagem perfeita do casal começou a ruir, os Carters optaram pelo caminho oposto. “Lemonade” e “4:44” foram os meios pelos quais aproximaram o público de suas falhas e incertezas. “Everything is Love”, surpresa conjunta lançada no último sábado (16), encerra o arco diferente, celebrando a conquista da paz conjugal.

“Eu não acredito que conseguimos”, desabafa Beyoncé em “Apeshit”, o primeiro single do álbum, soando o que seria uma demonstração de alívio depois da turbulência do disco anterior. (Veja o clipe abaixo). O registro, cujo clipe foi gravado no Museu do Louvre, em Paris, é um testemunho visual de como um amor sobreviveu através de muita honestidade, compromisso e reflexão. De igual modo, pode-se dizer que a relação com os fãs também alcançou outro nível. Os Carters tomaram o controle da narrativa do que seria um material fartamente explorado por tablóides — rumores de traição e intrigas domésticas — e embalaram suas verdades no que eles sabem fazer de melhor: música de excelência.

E até um pouco mais, aproveitando do privilégio de poder ignorar completamente a pressão comercial. Afinal, são dois dos artistas mais celebrados nas últimas décadas. Beyoncé, ao exorcizar os demônios conjugais e de sua própria carreira em “Lemonade” (2016), entrega uma experiência audiovisual sofisticada sobre feminilidade e protagonismo negro. Subverteu a ideia do que um álbum poderia ser e debutou o registro como um filme na HBO, mas desprovido de apelo radiofônico. Depois foi a vez de Jay-Z, que deixa de lado a persona de CEO em “4:44”, e se revela como um homem em conflito, lutando para encontrar a maturidade. A experiência soa mais interessante no streaming do que a conta-gotas no rádio.

Por outro lado, “Everything is Love” é o trabalho mais acessível e comercial de ambos nos últimos anos, sem deixar de lado a assinatura de alta arte que os Carters aprimoraram nesse processo. Jay e Beyoncé, neste sentido, estão muito melhores agora do que em “Magna Carta Holy Grail” e no álbum da homônimo da cantora, trabalhos que antecederam a “sessão de terapia pública”, como o rapper definiu a experiência do casal em entrevista para a revista T, do The New York Times.

“Sim, você fodeu a primeira pedra, nós tivemos que nos casar novamente”, entoa Beyoncé em um dos versos de “Lovehappy”. “Yo, chill”, responde Jay-Z. O amor resiliente e a ostentação são os pontos centrais do álbum em conjunto do casal, para o lamurio daqueles que acham a traição conjugal imperdoável ou que o acúmulo de dinheiro representa a perda da negritude. Abrindo o disco, “Summer” traz uma balada sensual, envolvente e acalorada pelo perdão. “Let’s make love in the summertime, yeah /On the sands, beach sands, make plans /To be in each other’s arms” (Vamos fazer amor no verão, sim / Nas areias, areias de praia, fazer planos / Estar nos braços um do outro), entoa Beyoncé no refrão meloso.

Na sequência, entra “Apeshit”, o principal destaque do álbum. O título, “merda de macaco”, em tradução literal, também é uma gíria que significa uma expressão exagerada de raiva e euforia. Ao fundo, vocais interessantes de Offset e Quavo, membros do Migos. A letra traz toda a pompa e circunstância que os Carters conquistaram ao longo dos anos, individualmente e como família: poder, status, dinheiro e luxo, além de algumas tiradas pontuais em direção à NFL (liga profissional de futebol americano) e ao Grammy posicionadas entre os versos.

Todos esses elementos aparecem no videoclipe da música, igualmente rico em referências, como descreveu a historiadora da arte Heidi Herrera em sua conta no Twitter. O vídeo situa o casal e um grupo de dançarinos negros por entre as obras famosas do museu francês, incluindo “A Coroação de Napoleão” (Jacques-Louis David), “Vênus de Milo” (atribuída a Alexandre de Antioquia) e “Monalisa” (Leonardo da Vinci). “Essencialmente, ‘Apeshit’ não é apenas uma celebração brilhante do sucesso de Beyoncé e Jay-Z, mas um reconhecimento consciente de seu sucesso diante da opressão histórica/atual, bem como uma expressão de gratidão aos seus antecessores, que são frequentemente esquecidos”. Mais uma metáfora visual para a infiltração do rap na cultura ocidental.

“Eu tenho problemas reais assim como você”, resmunga Beyoncé em Boss. Apesar do poder, casal quer mostrar que são pessoas reais e conscientes (Foto: Reprodução/YouTube/Beyoncé)
“A mensagem visual e lírica de ‘Apeshit’ é que Beyoncé e Jay Z chegaram lá. São donos do Louvre, que foi e ainda é um espaço ‘brancocêntrico’, com uma história profundamente enraizada no colonialismo. Sendo assim, colocar corpos negros no centro desse espaço é radical”, argumenta Heidi Herrera.

Outras cenas do videoclipe evocam fatos mais recentes. Em uma das sequências, um grupo de homens negros aparece ajoelhando, fazendo alusão aos jogadores de futebol americano que usam o gesto durante a execução do hino nacional antes das partidas como forma de protesto contra a violência policial. “I said no to the Superbowl / You need me, I don’t need you / Every night we in the endzone / Tell the NFL we in stadiums too” (Eu disse não para o Superbowl / Vocês precisam de mim, eu não preciso de vocês / Toda noite chegamos na linha final / Diga à NFL que estamos nos estádios também), diz o rapper na música.

Na música seguinte,“Boss”, Beyoncé fornece uma declaração geral sobre estar no controle do seu próprio negócio e o resultado concreto de tanto esforço, comemorando a sua crescente dinastia familiar negra. “My great-great-grandchildren already rich / That’s a lot of brown chi’r’en on your Forbes list (Meus tataranetos já são ricos / São muitas crianças de cor na sua lista da Forbes)”. Dos cerca de 2 mil bilionários do mundo na lista da revista de 2017, apenas 10 deles são negros. Em “Nice”, que conta com a participação especial de Pharrell Williams, a cantora mantém a guarda e dispara rimas em direção ao Spotify. “Cause my success can’t be quantified / If I gave two fucks — two fucks about streaming numbers /Would have put Lemonade up on Spotify / Fuck you” (Porque meu sucesso não pode ser quantificado / Se eu desse a mínima para números de streams / Teria colocado Lemonade no Spotify / Vá se fuder).

Quanto a sonoridade, “Everything is Love” se beneficia dos gostos sofisticados das duas estrelas, com pitadas de reggae, soul, rhythm and blues, mas se trata de um disco predominantemente de rap. Não é a primeira vez que Jay-Z apresenta um trabalho conjunto. Em 2011, o rapper lançou “Watch The Throne” com Kanye West. Ao lado da esposa, o histórico de parcerias é longo, mas nada comparado ao que o casal apresenta no novo disco. Em “713”, Beyoncé resgata um clássico do rap, “Still D.R.E”, de Dr. Dre com Snoop Dogg, praticamente um retorno às origens repassado com uma dose de orgulho e nostalgia. Versátil, a cantora se joga no rap e se sai muito bem.

Na faixa seguinte, “Friends”, o casal Carter se debruça sobre as amizades de longa data do casal, o apoio deles em momentos difíceis e deixa algumas citações indiretas endereçadas para (ex?-) amigos como Kanye West. Jay Z e Beyoncé não compareceram ao casamento de Kanye e Kim Kardashian. Jay alega que priorizou seu relacionamento tenso com sua esposa ao invés de ir na cerimônia. Kanye, tempos depois, revelou certo desapontamento com o rapper pela ausência. “I ain’t goin’ to nobody nothin’ when me and my wife beefin’ /[…] If y’all don’t understand that, we ain’t meant to be friends” (Eu não vou a ninguém quando eu e minha esposa estamos em crise / Se vocês não entenderem isso, nós não deveríamos ser amigos), afirma.

Depois de mais uma faixa de auto-contemplação, “Heard About Us”, entra “Black Effect”, a música mais política do álbum em conjunto. Os Carters abordam a violência policial nos Estados Unidos e a luta histórica dos negros pela igualdade, enquanto se orgulham de sua ancestralidade e negritude. O disco termina com “Lovehappy”, uma renovação de votos pública do casal. “This beach ain’t always been no paradise / But nightmares only last one night” (Esta praia nem sempre foi um paraíso / Mas os pesadelos duram apenas uma noite), conclui a cantora, esperançosa.

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