◉Atualizado em 15/05/2024 · 21:10 (BRT)
Os sucessivos ataques à circulação da obra ✶“O Avesso da Pele” nas bibliotecas escolares públicas de Goiás, Paraná e Mato Grosso do Sul são o capítulo mais recente da onda para censurar livros no Brasil. O romance de Jeferson Tenório, sobre um homem negro que teve o pai assassinado em uma abordagem policial, foi recolhido de forma arbitrária em março sob a alegação de ter conteúdo impróprio para estudantes do ensino médio.
Justificativa parecida com a usada em outros casos de proibições de obras literárias no Brasil nos últimos anos — cenário que evoca um futuro distópico como o retratado em “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury, onde um governo autoritário incumbe bombeiros da missão de incinerar livros para restringir o acesso ao conhecimento.
E também se assemelha ao movimento crescente pelo banimento de livros em bibliotecas nos Estados Unidos, extrapolando o terreno da ficção, no qual os alvos preferenciais são obras sobre ou escritas por pessoas não brancas e LGBTQIA+.
“O Avesso da Pele”
A proibição de “O Avesso da Pele” surgiu a partir de um vídeo em que uma diretora escolar de Santa Cruz do Sul (RS) critica a linguagem chula e o conteúdo sexual de trechos da obra. O romance, que aborda o racismo, foi descaracterizado como um livro de “sexo para crianças”, conforme relatou o autor Jeferson Tenório em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. A situação se agravou em março, com a determinação da retirada dos exemplares distribuídos nas escolas públicas pelas secretarias estaduais de Educação do Paraná e Goiás, além do governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PSDB).
O Ministério da Educação (MEC) disse em nota à época que o romance foi aprovado pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático de 2022 para o ensino médio, juntamente com outros 530 títulos, após a avaliação de uma banca de especialistas — sendo que a escolha final das obras literárias a serem adotadas é feita pelos educadores de cada escola.
Assustadas com a proibição da obra, vencedora do Prêmio Jabuti em 2021 — o mais importante da literatura nacional —, editoras, artistas e especialistas se mobilizaram pela internet para denunciar a censura com a campanha #EmDefesaDosLivros.
De acordo com a Companhia das Letras, que detém os direitos, a medida autoritária acabou por ter o efeito contrário, impulsionando as vendas do título em 1400%. Os exemplares foram devolvidos às escolas de Goiás e Paraná no início de abril e, na quarta-feira (24), às bibliotecas do Mato Grosso do Sul.
Outros Casos
Em 2018, motivados por uma onda de cancelamento nas redes sociais da mostra ✶“Queermuseu — Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, cinco câmaras de vereadores de cidades gaúchas exigiram o recolhimento do catálogo da exposição, compilado por Gaudêncio Fidelis. O livro reunia obras e pesquisas da mostra, que foi cancelada em Porto Alegre e reaberta no Rio de Janeiro somente meses depois.
Um outro incidente marcante envolvendo tentativas de censura ocorreu no ano seguinte, quando o então prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, ordenou a remoção de exemplares da HQ ✶“Vingadores: a Cruzada das Crianças”, durante a Bienal do Rio de Janeiro, devido a uma cena que retratava dois jovens se beijando. A determinação também teve o efeito oposto, esgotando os exemplares à venda no pavilhão em poucos minutos.
Ainda em 2019, o livro de poesias ✶“Beirage”, de George Furlan, foi retirado de circulação das escolas e das bibliotecas públicas de São José dos Campos (SP), devido ao conteúdo repleto de críticas ao golpe da ditadura militar e à bancada evangélica. No ano passado, a Secretaria de Educação de Santa Catarina mandou recolher do acervo da rede pública exemplares de nove obras de uma só vez, incluindo títulos como ✶“Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess, ✶“Donnie Darko”, de Richard Kelly e ✶“It: A Coisa”, de Stephen King. O Ministério Público foi acionado para apurar o caso.