As lições de ‘Aos teus olhos’ sobre os julgamentos nas redes sociais

Filme dirigido por Carolina Jabor e estrelado por Daniel de Oliveira escancara o poder dos comentários ofensivos e os linchamentos virtuais.
Daniel de Oliveira (“Os Dias Eram Assim”, “Cazuza”) interpreta professor de natação acusado de beijar um dos alunos no filme “Aos Teus Olhos” (Foto: Daniel Chiacos/Divulgação)

Atualizado em 30/04/2020 · 18:15 (BRT)

Tiago de Moraes

Um professor de natação infantil tem a reputação destruída na internet após ser acusado pelos pais de um aluno de beijar a criança. Esse é o plot de Aos Teus Olhos, filme brasileiro que está em cartaz nos cinemas (confira as salas disponíveis no site). A produção, baseada na peça espanhola “O Princípio de Arquimedes”, evoca a outros casos de brutalidade disseminada nas redes sociais, a exemplo das notícias falsas sobre a vereadora Marielle Franco e até situações extremas, como o linchamento da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, em 2014.

A vítima foi confundida com uma suposta criminosa que sequestrava crianças para realizar rituais de magia negra, tudo isso por conta de um retrato falado publicado em um post no Facebook de um site notícias do Guarujá (SP). Mas a história não passava de um boato rasteiro que não foi devidamente apurado. O longa-metragem dirigido por por Carolina Jabor (“Boa Sorte”), por sua vez, apresenta uma situação igualmente delicada.

“O que me impressionou na peça catalã [de Josep Maria Miró] foi a condenação de uma pessoa antes de ser julgada. Eu li num momento em que estava questionando o poder das redes sociais, acompanhando discussões polêmicas em grupos de WhatsApp. Concentramos a ação do filme em apenas 24 horas a partir da acusação. É muito pouco tempo para você formar uma opinião. Mas essa é velocidade de julgamento nas redes sociais, onde mesmo os nossos gestos de afeto são julgados”, conta a diretora em comunicado à imprensa.

Além disso, o professor de natação Rubens (Daniel de Oliveira) não é tratado de forma maniqueísta, muito menos apontado como inocente ou culpado. “Ele é um homem carismático, um professor que as crianças amam — mas tudo isso pode passar de um limite em que, de repente, ele passa a ser um cara perigoso, abusado. A ideia sempre foi deixar a reflexão para o público. Aos olhos de cada um”, explica Jabor.

Filme dirigido por Carolina Jabor com Daniel de Oliveira e Luisa Arraes no elenco discute linchamentos virtuais (Foto: Daniel Chiacos/Divulgação)

As demais personagens também receberam tratamento semelhante, defende a diretora. “Os pais estão defendendo seus filhos. É uma questão delicada. A mãe perde o controle, está desequilibrada. Ela podia ter esperado um pouco mais para fazer a denúncia no grupo, mas não aguentou — é alguém mais passional”. O longa, ganhador do prêmio de júri popular no Festival do Rio, transita do drama ao suspense, entre mergulhos e planos bonitos.

Para a advogada Cristiane Russo, o filme propõe a discussão sobre as responsabilidades de cada um na internet. “As redes sociais não são pautadas pelo princípio da presunção da inocência. Em pouco tempo, as pessoas são julgadas, desacreditadas e condenadas. Ou pior, quando os usuários se transformam em carrascos, como no caso de Fabiane. Nem todos os comentários grosseiros são entendidos como passíveis de alguma ação prevista na lei, mas vários descambam para ameaças, calúnias, difamação, injúria, entre outros crimes previstos no Código Penal”.

O advogado especializado em crimes virtuais, José Milagre, explica que a vítima de uma publicação difamatória na internet ou de um perfil falso, precisa ingressar com um pedido na Justiça, de acordo com o Marco Civil da Internet.

“O Facebook só pode remover determinado conteúdo quando notificado judicialmente, mas em algumas instâncias inferiores, a rede social tem sido responsabilizada pela demora em retirar determinado perfil fake. Quem se sentir lesado pode entrar com uma ação pedindo os dados e a remoção do conteúdo ofensivo. E quando perceber que se trata de assunto calunioso, o usuário pode reportar o conteúdo ofensivo”, orienta José Milagre.

No que se refere a notícias falsas, Milagre dá algumas dicas. “Não compartilhe o que não tiver certeza, chamadas apelativas demais ou exageradas, cheque a fonte, o site, ou se outros canais com credibilidade noticiaram. Existem plug-ins que identificam conteúdos falsos, algumas agências que checam a veracidade das notícias, mas temos muito avançar neste sentido”, diz.

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