◉Atualizado em 28/04/2024 · 18:28 (BRT)
Artigo em que o autor utiliza elementos narrativos para propor reflexões sobre um acontecimento e/ou tendências sociais.
Saudade é aquele aperto no peito acompanhado de um sorriso melancólico de canto de boca. É sobre regredir do estágio da aceitação para o da barganha. Saudade é reimaginar o presente — ainda que por alguns segundos — e permeá-lo por cumplicidade, confidências e risos, desconsiderando momentaneamente os impedimentos da leis da natureza, do tempo e da existência. E desejar tanto dividir essa vivência que a falta reflui em uma engolida a seco. Um lapso agridoce.
É sobre querer de volta o que não está ao seu alcance — e declarar que faria de tudo para reverter o irremediável. Saudade é o ato de expressar o amor que perdura mesmo após a ausência. O último ato de rebeldia contra o conformismo decorrente do luto. É o esforço em remontar cenas cujas peças começam a se desprender enquanto o tempo avança: a voz, o calor do toque, uma receita de família, uma mensagem de texto. É ser arqueólogo do sítio da vida compartilhada, assimilando para si resquícios do outro que serão levados adiante.
Sentir a ausência implica em dimensionar vazios. Saudade é tentar preservar lembranças no inventário da memória e torcer para que continuem para sempre vívidas, ignorando o estrago vindouro do envelhecimento. É se apegar no ritual das pequenas coisas, dos hábitos e dos gostos em comum. Saudade é prosseguir com um legado de miudezas tenras que agora só você é capaz de compreender.
Mas se guiar apenas sob a égide da saudade é um estado de não viver. É como preferir a clausura numa redoma de inércia inebriante e se perder da noção que a vida no agora é uma dádiva. Entender a saudade é compreendê-la também como o gatilho para avisar — bucolicamente — de que o presente deve ser preenchido de novas vivências, compartilhado com mais momentos de afeto e assustado com irrompes desbocados e desmedidos de amor.