◉Atualizado em 10/09/2020 · 19:32 (BRT)
Deus, Pátria, família e a “sombra do comunismo” foram os tópicos que marcaram o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em cadeia nacional de rádio e TV nesta segunda-feira (7), feriado da Independência do Brasil. O ex-capitão exaltou ainda o golpe militar de 1964, mas afirmou que tem “compromisso com a democracia”. (Leia na íntegra abaixo).
“No momento em que celebramos essa data tão especial, reitero […] meu amor à pátria e meu compromisso com a Constituição e com a preservação da soberania, democracia e liberdade, valores dos quais nosso país jamais abrirá mão”, disse. Foi a 11ª vez que Bolsonaro se dirigiu à nação desde o começo do mandato, e a quinta convocação da cadeia nacional de radiodifusão somente neste ano.
Mas diferentemente dos pronunciamentos dos últimos meses, desta vez o presidente não trouxe qualquer menção sobre a pandemia de coronavírus, doença que já matou mais de 127 mil pessoas no país. O discurso foi recepcionado por panelaços registrados em várias cidades brasileiras, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Brasília e Recife, segundo apuração do Jornal da Globo.
Durante o pronunciamento, o mandatário resgatou alguns momentos históricos ocorridos no país nos últimos dois séculos, como a própria independência de Portugal em 1822, a imigração europeia no país, a Segunda Guerra Mundial e a conspiração que levou ao regime militar, interpretando os fatos a partir da perspectiva ultraconservadora – na qual encontra sua principal base de apoio.
“Nos anos 60, quando a sombra do comunismo nos ameaçou, milhões de brasileiros, identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, foram às ruas contra um país tomado pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”, alegou o presidente Jair Bolsonaro.
Segundo informou o colunista do UOL e da Folha de São Paulo, Mauricio Stycer, parte da fala reproduz com exatidão um editorial de 1984 de O Globo, assinado por Roberto Marinho (1904-2003), em defesa do golpe militar de 1964 –uma provocação à TV Globo e aos veículos de comunicação do mesmo grupo. O posicionamento foi revisto em 2013, quando o Grupo Globo reconheceu que o apoio editorial ao movimento de deposição do presidente João Goulart tinha sido um erro.
Notório defensor da ditadura militar, o ex-capitão já tentou utilizar a mesma controvérsia em duas ocasiões, ainda na posição de candidato à presidência: ao participar de uma sabatina na GloboNews e ao ser entrevistado na bancada do Jornal Nacional. Nos dois episódios, a emissora esclareceu a menção e reafirmou a posição estabelecida em 2013.
O ex-capitão e a ditadura
A constante defesa do regime militar de exceção se transformou na atuação mais conhecida de Bolsonaro nos quase 30 anos em que foi deputado federal. Integrante das Forças Armadas durante o período de ditadura, Jair Bolsonaro já disse que o erro do regime “foi torturar, e não matar as pessoas” e, outras vezes, se referiu ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra – único militar condenado pela prática de tortura no período – como “herói”.
De acordo com um levantamento da organização Humans Right Watch divulgado em 2019, baseado em dados oficiais, 20 mil pessoas foram torturadas pela ditadura, entre 1964 e 1985. E pelo menos 434 pessoas foram mortas ou seguem desaparecidas em decorrência da ação autoritária do Estado brasileiro nessa época. O regime militar também destituiu 4.841 representantes eleitos pelo povo.
Já como presidente, Bolsonaro se envolveu em uma polêmica no ano passado após fazer insinuações a respeito do desaparecimento de Fernando Santa Cruz, vítima da ditadura. Fernando é pai do atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz. Bolsonaro também substituiu integrantes da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, o mesmo colegiado que havia emitido um atestado de óbito reconhecendo que a morte de Santa Cruz não foi natural, mas “violenta e causada pelo Estado brasileiro”.
Miscigenação
Em seu discurso para celebrar o Dia da Independência no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro apontou que o sangue dos brasileiros sempre foi “derramado pela liberdade” e que o processo de miscigenação fez do país uma nação “tolerante”.
“Religiões, crenças, comportamentos e visões eram assimilados e respeitados. O Brasil desenvolveu o senso de tolerância, os diferentes tornavam-se iguais. O legado dessa mistura é um conjunto de preciosidades culturais, étnicas e religiosas, que foram integradas aos costumes nacionais e orgulhosamente assumidas como brasileiras”, defendeu.
Leia o discurso na íntegra:
“Boa noite. Naquele histórico 7 de setembro de 1822, às margens do Ipiranga, o Brasil dizia ao mundo que nunca mais aceitaria ser submisso a qualquer outra nação e que os brasileiros jamais abririam mão da sua liberdade. A identidade nacional começou a ser desenhada com a miscigenação entre índios, brancos e negros. Posteriormente, ondas de imigrantes se sucederam, trazendo esperanças que em suas terras haviam perdido.
Religiões, crenças, comportamentos e visões eram assimilados e respeitados. O Brasil desenvolveu o senso de tolerância, os diferentes tornavam-se iguais. O legado dessa mistura é um conjunto de preciosidades culturais, étnicas e religiosas, que foram integradas aos costumes nacionais e orgulhosamente assumidas como brasileiras.
Passados quase dois séculos da Independência, nos quais enfrentou e superou inúmeros desafios, o Brasil consolidou sua posição no concerto das nações. Ainda no século XIX, durante o período do Império, fomos invadidos e agredidos, derrotando a todos. Já no século XX, durante a II Guerra Mundial, a Força Expedicionária Brasileira foi à Europa para ajudar o mundo a derrotar o nazismo e o fascismo.
Nos anos 60, quando a sombra do comunismo nos ameaçou, milhões de brasileiros, identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, foram às ruas contra um país tomado pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada.
O sangue dos brasileiros sempre foi derramado por liberdade. Vencemos ontem, estamos vencendo hoje e venceremos sempre. No momento em que celebramos essa data tão especial, reitero, como Presidente da República, meu amor à Pátria e meu compromisso com a Constituição e com a preservação da soberania, democracia e liberdade, valores dos quais nosso País jamais abrirá mão.
A Independência do Brasil merece ser comemorada hoje, nos nossos lares e em nossos corações. A Independência nos deu a liberdade para decidir nossos destinos e a usamos para escolher a democracia. Formamos um povo que acredita poder fazer melhor. Somos uma Nação temente a Deus, que respeita a família e que ama a sua Pátria. Orgulho de ser brasileiro”.