A estranha maneira de Donald Trump conduzir o jogo da política

Presidente dos EUA tentou imprimir a marca da gestão nos eventos internacionais das últimas semanas: conseguiu irritar a UE, um acordo duvidoso com a Coreia do Norte — e fez vários afagos ao líder russo Vladimir Putin.
Presidente dos EUA, Donald Trump, envolvido em mais polêmicas após “turnê” pela Europa (Foto: Boris Baldinger/Ilustração: Tiago de Moraes)

Atualizado em 20/06/2022 · 22:50 (BRT)

Tiago de Moraes, João Rafael Venâncio

A maratona de compromissos internacionais do presidente norte-americano, Donald Trump, tem rendido situações que nem os conservadores mais entusiasmados ou os críticos ferrenhos poderiam imaginar. Só nos últimos dias, Trump chamou a União Europeia de “inimigo” comercial dos Estados Unidos, dividiu opiniões ao fechar um acordo diplomático com o ditador da Coreia do Norte, mas teve uma postura contida durante o encontro com o presidente russo Vladimir Putin, na última segunda-feira (16) — tudo isso às vésperas das eleições no Congresso.

O ponto alto da polêmica foi a resposta do presidente americano a um jornalista, ao ser indagado se acreditava no relatório endossado pelas principais agências de inteligência dos Estados Unidos, o qual reforça a participação de hackers russos na invasão de computadores do Partido Democrata durante o pleito de 2016. “O presidente Putin disse que não é a Rússia. Não vejo razão para ser a Rússia. O presidente Putin foi extremamente forte e poderoso em sua negação”, disse Trump na coletiva em Helsinque, ao lado do chefe de Estado russo.

Imprensa, opositores e até os aliados republicanos de Trump criticaram as declarações, classificada de “erro trágico”, “bizarra”, “repugnante” e “vergonhosa”. “A entrevista foi uma das performances mais vergonhosas de um presidente americano que tenho em memória”, escreveu o senador republicano John Mccain. O presidente da Câmara, Paul Ryan, também do mesmo partido, rechaçou a postura de Donald Trump. “O presidente tem de reconhecer que a Rússia não é nossa aliada”.

Após reunião a portas fechadas, líderes dos Estados Unidos e Rússia responderam perguntas de jornalistas. Posicionamentos brandos de Trump surpreenderam opositores e até aliados (Foto: Kremlin/Divulgação)

Os veículos de comunicação foram ainda mais incisivos. “O desempenho de Trump em Helsinque foi uma desgraça. Qualquer membro de sua equipe de segurança nacional que fique com ele agora está fazendo um desserviço aos Estados Unidos. Trump provou estar completamente no bolso do presidente russo Vladimir Putin”, indagou o autor Fred Kaplan em artigo para a publicação on-line Slate. Nem mesmo os âncoras da Fox News — que costumam elogiar o líder americano — deixaram Trump ileso das críticas.

Donald Trump se comportou de forma completamente diferente nos demais encontros com outros chefes de Estado, realizados desde o mês passado. Travando uma “guerra” tarifária em cima dos produtos importados com a China, União Europeia — e contra o resto do mundo ao que tudo indica, o presidente dos EUA abandonou a última cúpula do G7 e disparou bravatas contra o grupo das maiores economias do planeta. No último final de semana, repetiu a mesma postura austera no encontro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em Bruxelas, onde pressionou os outros líderes da aliança militar para investirem mais na organização.

Durante a estadia na cidade, repleta de reuniões bilaterais, também chamou a Alemanha de “prisioneira da Rússia” e fugiu das pautas dos encontros só para criticar os homólogos europeus. Depois dos compromissos na capital da União Europeia, o líder norte-americano foi para o Reino Unido e manteve o tom duro sobre a briga tarifária que tem travado contra o livre-comércio. Ainda causou ainda mais controvérsia ao opinar sobre a UE, imigração e o desempenho da primeira-ministra britânica Theresa May nas negociações do Brexit — justamente em seu momento político mais vulnerável.

Na avaliação do cientista político Bruno Pasquarelli, doutor pela Universidade de São Carlos e docente da Universidade do Sagrado Coração, as ações antidiplomáticas do presidente estadunidense contribuem para o aumento da instabilidade internacional. “A leitura que podemos fazer de Trump confirma uma atuação mais isolacionista e protecionista do presidente norte-americano com relação ao comércio mundial. As tensões entre os principais países não foram reduzidas — pelo contrário, só aumentaram, e em grande parte devido ao aumento das tarifas e do protecionismo norte-americano na política comercial — o que, segundo Trump, é uma medida a mais para aumentar a segurança dos Estados Unidos no plano interno”.

Ainda segundo Pasquarelli, isso não significa que o líder americano queira se afastar do protagonismo internacional. “Desde a campanha eleitoral, Trump destaca o slogan “America’s First”, uma alusão de que o país não mais deveria se envolver como o protagonismo internacional e sim privilegiar a segurança interna e o protecionismo econômico. Contudo, esse isolacionismo é aparente, pois os Estados Unidos dificilmente querem ceder o jogo do poder. A retirada do país do protagonismo internacional poderia criar um vácuo, o que certamente abriria espaço para que potências como Rússia e China ampliem suas zonas de influência. O que dificilmente veremos”, avalia.

Críticos e analistas classificam a forma de conduzir o jogo político praticada por Trump como a mesma utilizada pelo presidente nos tempos do reality show “The Apprentice” (O Aprendiz), o qual apresentou por 14 temporadas: um estilo agressivo de negociação, grosserias e projetos faraônicos. “As grosserias lançadas a alguns líderes democráticos são mais duras que a maioria dos ataques contra aqueles competidores”, diz uma análise do jornal espanhol El País. Entretanto, como lembra a série documental (disponível na Netflix) sobre a trajetória do playboy até o cargo de “líder do mundo livre”, o magnata não possui um histórico muito assertivo, repleto de acusações de ex-sócios, ideias fracassadas e parcerias suspeitas.

O Presidente Trump e o Presidente Kim Jong-un em encontro histórico em Singapura (Foto: White House/Divulgação)

Os afagos ao Kremlin — que Trump tentou remendar as declarações no dia seguinte por conta das críticas — e a postura cordial do presidente na cúpula EUA-Coreia do Norte, em Singapura no mês passado, considerada uma vitória diplomática da gestão, tornam o cenário ainda mais complicado. De acordo com o cientista político Bruno Pasquarelli, embora os dois líderes tenham se comprometido em “cooperar para a desnuclearização” da península coreana, o termo de apenas quatro tópicos é “um comunicado cheio de ótimos propósitos, mas sem conteúdo e vago”.

Nesta terça-feira (17), 24 horas depois da cúpula com o homólogo russo, Vladimir Putin, Donald Trump se reuniu com líderes do Congresso para tentar acalmar os ânimos — depois de dizer publicamente que confiava mais na palavra de um ex-espião do que nos agentes de inteligência do próprio governo norte-americano. Trump, limitando-se a ler um documento escrito, justificou as falas polêmicas com um adendo. A intenção, segundo o presidente era dizer: “eu não sei porque não seria a Rússia”.

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Porém, de forma mais sutil, voltou a tirar o foco da interferência do Kremlin nas eleições, responsabilizando a adversária democrata Hillary Clinton. Ainda usou o Twitter — seu canal favorito de pronunciamentos — para criticar a imprensa por não noticiar o encontro com Putin como uma “ótima reunião”. “Enquanto tive uma ótima reunião com a Otan, levantando grandes quantias de dinheiro, tive uma reunião ainda melhor com Vladimir Putin, da Rússia. Infelizmente, ela não está sendo reportada dessa maneira — as notícias falsas [veículos de comunicação] estão loucas!”, postou no Twitter.

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